Não só na aparência, Letícia Rodrigues nos leva a GISBERTA, tamanha sua verdade cênica

Público faz fila na frente do Teatro Ednaldo do Egypto, em João Pessoa, para ver “Gisberta”. Fotos: Bafafá Imagem

Augusto Magalhães

O monólogo Gisberta, encenado por Letícia Rodrigues e dirigido por Misael Batista, foi selecionado para participar do Festival de Teatro de Ubá (MG) e isso parece ser o início de uma grande trajetória desta encenação do teatro paraibano que merece estar em qualquer palco do Brasil e do exterior, seja em espaços alternativos ou em teatros tradicionais.

Para viver a personagem, a atriz Letícia Rodrigues, uma mulher trans paraibana, enfrentou um processo de transformação em que mergulhou na história de vida e morte de Gisberta Salce Junior, mulher trans brasileira que fugiu de São Paulo para não ser morta, mas acabou sendo cruelmente assassinada em Portugal há 17 anos.

Fui assistir “Gisberta” no último domingo, em sua despedida da cidade de João Pessoa, e o que impressiona é que Letícia não se vale da aparência física com Gisberta,  que conquistou durante o processo de preparação para o espetáculo. Para além disso, ela conquista o público com sua força interpretativa e sua presença cênica.

 A atriz canta em cena e leva a plateia junto, mas no contraponto, também faz o público respirar fundo e “engolir seco” as barbaridades vivenciadas por Gisberta em seu calvário. Em cena, Letícia é Gisberta, disso não tenho a menor dúvida!

Indagações do tipo “Você me levaria para fazer a ceia de Natal na sua casa?” e “Você permitiria que uma mulher trans utilizasse o banheiro feminino?” Questionamentos que trazem a cena para o momento atual sem nos distanciar do preconceito vivido por Gisberta antes de 2006, ano de sua morte.

O espetáculo tem essa “pegada” de fazer a público viajar no tempo e se sentir no ambiente em que Gisberta foi encontrada morta. A atuação de Letícia Rodrigues é impecável, ao viver e reviver momentos tão difíceis e intragáveis.

A atriz se coloca na posição em que o corpo foi encontrado, desenhado no chão com um giz e o ambiente cercado por fitas de isolamento. Um ambiente triste, a partir do qual Letícia revive a trajetória de Gisberta Salce Junior, desde a sua descoberta enquanto menino que se sentia menina até a mudança de nome de Gisberto para Gisberta.

Para não se prostituir, Gisberta vai fazer shows em boates e esse é um dos momentos mais bonitos do espetáculo, em que a atriz Letícia Rodrigues sobe ao ponto mais alto da caixa cênica e faz a dublagem – como Gisberta fazia em seus shows – da música “Hoje eu vou mudar”, na voz de Vanusa. Com exceção desse momento, toda a trilha sonora do espetáculo é feita ao vivo, evidenciando mais uma habilidade da atriz Letícia Rodrigues, que surpreende também como cantora.

No mais, é bom lembrar que o espetáculo começa antes mesmo do público chegar ao teatro. Todo o corredor que dá acesso à plateia, ainda no ambiente externo do teatro, está cercado por fitas de isolamento em amarelo e preto, manchas de tinta vermelha no chão simulando sangue e uma placa na parece que identifica: Rua Gisberta Salce Junior.

A direção de Misael Batista e a iluminação se completam na atmosfera do espetáculo, tanto que quando Letícia estava em cena no Teatro Ednaldo do Egypto, em João Pessoa, a luz fez projetar misteriosamente – ou não – na fumaça da cena o rosto de uma mulher. Algo impressionante, que se mistura com a verdade cênica de Letícia Rodrigues.

Não há como terminar esse texto sem dizer: Gisberta, presente!